Alex empurrou-se na cadeira de rodas, usada desde a última cirurgia na perna para retirada do tumor, para fora de seu quarto. O corredor estava vazio, apenas as luzinhas festivas coladas nas paredes faziam algum movimento ao piscarem coloridas.Deslizou até o pátio interno, um espaço aberto para recreação ou banhos de sol para aqueles pacientes capazes de se locomoverem. Precisava sentir o ar puro da noite, manter-se em seu quarto o sufocava como nunca.
Ainda assimilava a última consulta com o oncologista. Alex pensou que receberia alta depois de muitos meses em tratamento, mas os exames informaram a necessidade de mais algumas sessões de quimioterapia. Mesmo os especialistas dando-lhe uma margem grande de recuperação, ele perdera seu otimismo.
O pátio interno era envolvido pelo breu, a única iluminação vinha fraca do pedestal ao meio do lugar. Alex rodou a cadeira até os limites do meio-muro completado até a altura de dois andares por uma grade. Ele escorou os cotovelos no muro e analisou as casas repletas de gente contente em uma noite de Natal, a tristeza embolou-se em sua garganta.
— Noite difícil?
A voz doce o assustou. Girou a cadeira à procura. Avistou mais adiante a silhueta de uma garota deitada no muro com as mãos cruzadas sobre a barriga. Rodou a cadeira até parar à frente dela, intrigado por ter companhia. Ela usava uma pulseira com estrelinhas brancas, ele percebeu.
— O que faz aqui?
— Estou à espera dos fogos de artifício. — Ela inclinou a cabeça para fitá-lo e sorriu tímida. — Todos os anos aquele grupo de casas soltam fogos na noite de Natal. — Apontou para algumas casas ao leste.
— Ah! — Alex olhou para as casas compreendendo que ela devia ser paciente há bastante tempo como ele, provavelmente de outra ala hospitalar. Quis perguntar o motivo de sua internação. Mas ela o interrompeu:
— Nesta época do ano até o ar parece mágico. Como se o tal espírito natalino tocasse os corações e permitisse o melhor de cada um vir à tona. É minha época preferida.
— Já foi a minha, mas estar preso aqui sozinho não ajuda — bufou e admirou as casas aconchegantes onde famílias provavelmente se divertiam.
— A felicidade é algo interno. — Ela se sentou com as pernas a balançar no muro e encará-lo. — Lá fora deve ter pessoas rodeadas da família e uma grande festa, mas que talvez se sintam infelizes.
— Que discurso tolo! — Alex se afastou. — Estamos presos a uma doença e sozinhos, o que tem de bom nisso?
— Talvez nada, mas eu decidi não me entregar. — A garota se ergueu no muro e andou delicadamente na ponta dos pés próximo a ele. Deu um giro e continuou indo e vindo como se dançasse, enquanto cantarolava baixinho. — Sinta a magia no ar.
— Não, desculpe. — Ele balançou a cabeça achando-a louca. — Nenhuma magia.
— Você é um garoto turrão, não é? — Rindo, ela desceu do muro e o rodeou dando saltinhos como se interpretasse uma bailarina. Segurou a cadeira e a puxou, fazendo-o deslizar no ritmo de seus sussurros.
— Ei, me largue!
— Não estou ouvindo. — Ela riu ao aumentar o volume da cantoria e empurrá-lo pelo pátio. — Vamos, se entregue à dança.
— Isso é uma bobeira! — Aborrecido, freou a cadeira.
— Olhe! — Animada, ela o ignorou e se sentou no muro quando o primeiro fogo de artifício explodiu colorido no céu. — São lindos!
Alex se aproximou dela com a cadeira. O céu se tornou azul, vermelho, verde, amarelo como se estrelas piscassem coloridas e derramassem seu pó cósmico em cascatas. Apesar do aperto em seu coração, não podia negar a beleza do momento.
Aos poucos o céu retomou o silêncio, escuro como antes. A garota suspirou encantada e parou em pé ao lado de Alex Olhou-o calada por alguns segundos até estender-lhe a mão fazendo a pulseira deslizar folgada pelo seu pulso.
— Dança comigo?
— Nem tem música!
— Tem sim. — Ela riu ao rodopiar à frente dele. — Nosso salão de dança é iluminado pelas estrelas e, se prestar atenção, ao fundo tem a melodia natalina de uma casa próxima. — Ela inclinou a cabeça como se procurasse decifrá-la. — É “Natal Branco”. — Soltou um risinho. — Mesmo que estejamos em pleno verão, essa é minha canção preferida.
Alex inclinou-se para o muro tentando ouvir a melodia, um som muito fraco e indecifrável se apresentou, nada poderia confirmar ser a tal melodia que ela dissera. A garota rodopiou pelo pátio cantarolando e parou à frente dele.
— Sinta a música. Imagine como seria patinar na neve. Deslizando e deslizando, como se flutuássemos.
— Sério?! Antes era dança e agora já temos até uma neve imaginária?!
— Vamos, use a imaginação.
Ele continuou parado em sua cadeira de rodas acompanhando com o olhar a garota misteriosa fingir uma dança abraçada pela escuridão. Aos poucos, algo dentro dele se alterou e ele se percebeu rindo e batendo palmas quando ela lhe fez uma mesura como se agradecesse ao final de uma apresentação para um grande público.
— Ah! — Ela aproximou o rosto do dele, como se quisesse ver melhor. — Você sabe rir, então.
— Você é estranha, sabia? — brincou ao levar a cadeira para trás e dar um giro rápido.
— Ora, você é bom nisso.
— Meses de treino — respondeu ao fazer novamente a manobra, exibindo-se. Aguentava ficar algum tempo em pé, mas por não poder apoiar-se na perna recém-operada por muito tempo, a cadeira de rodas acabava sendo mais fácil de locomover-se.
— Dance comigo. — Ela sorriu para ele de modo maroto e estendeu a mão em sua direção novamente. — Eu perdi meu baile de quinze anos, seja meu par.
— Ninguém deveria perder sua primeira dança oficial. — Ele tentou ser amigável.
O convite era inusitado, ele nunca dançara quando podia ficar em pé sem dificuldade, e fazer isso em uma cadeira de roda soava estranho. Os olhos dela lhe indicavam a sinceridade do pedido, o qual Alex desejou realizar.
Amparou-se na sua cadeira e levantou-se. Com cuidado, colocou a perna em recuperação no chão. Testou o equilíbrio e a sensação de apoiar seu peso, havia feito isso nas sessões de fisioterapia, no entanto, não do modo fluido necessário para uma dança.
Sorrindo, a garota envolveu seus braços em seu pescoço. Ele apoiou as mãos na cintura dela, e mantinha a atenção nos movimentos lentos começados pelos passos dela enquanto ela murmurava no ritmo de alguma música desconhecida para ele.
Alex sentia-se desengonçado balançando de lá para cá e, apesar da vergonha, ficou ali abraçado à garota. Com o passar dos minutos, ele se esqueceu da tristeza dos últimos dias, como se fosse apenas um adolescente normal bailando em uma festa qualquer.
— Obrigada pela dança — ela sussurrou com a cabeça apoiada em seu ombro. — Deveria fazer um pedido de Natal.
— Para quê? — Alex respondeu indiferente. A perna operada latejou dolorida, mas ele não queria se afastar.
— Talvez se realize.
— Que nada! — Obrigou-se a apoiar-se no muro para tirar o peso da perna em recuperação.
— Quem sabe... — Ela deu de ombros ao se sentar no murinho ao lado dele. — Se não fizer, nunca vai saber. O meu do ano passado se realizou.
— E qual era? — Alex se empurrou para cima do muro, sentando ao lado dela.
— Ver os fogos de artifício.
— Mas você já sabia que teriam fogos... — Ele encolheu as sobrancelhas.
— Os fogos sim, mas qual a garantia de eu poder vê-los?
— Entendo. — Alex fitou a perna, relembrando de sua doença e as incertezas de seu futuro. — Por que está internada?
— Sofri um acidente há dois anos, bati a cabeça e fiquei muito tempo sem poder ver. — Em um gesto de conforto, ele pousou a mão sobre a dela. Ela sorriu aceitando sua amizade. — Apenas ouvi os fogos no ano passado e uma enfermeira me contou como eles sempre iluminavam os Natais. Mas hoje eu posso vê-los e ainda ganhei uma primeira dança de brinde. Sendo assim, não lhe custa fazer um pedido.
— Acredita que os desejos se realizam? — Encarou-a querendo se encher com a esperança vinda dela.
— Minha avó me ensinou que acreditar nos dá forças para lutarmos para que as coisas aconteçam.
— Não sei
— Tente. — Ela sorriu ao mexer na pulseira com a outra mão.
— Tá. — Alex fechou os olhos, pensou em um desejo. O que mais queria era ter sua vida habitual de adolescente de volta. De certo modo, estar ali com ela tinha um gostinho de normalidade. Fitou-a indeciso. — Devo contar o que desejei?
— Dizem que não. — Ela riu. — No próximo Natal, você me conta se foi realizado.
— Você parece bem para estar aqui por mais um ano.
— Recebi alta há poucos dias, só voltei para ver os fogos. — Ela saltou para fora do murinho. — Meus pais me esperam na recepção, preciso ir.
Alex a fitou desanimado ao perceber que a solidão seria sua única companhia novamente.
— Duvido que volte! — ele a desafiou.
Ela retirou a pulseira de estrelinhas brancas, pegou o pulso dele e a colocou. Deu-lhe um selinho e se afastou rindo.
— Essa pulseira é a última lembrança de minha avó, me ajudou quando estive internada. Guarde com carinho, pois virei buscá-la.
— E se eu não puder vir? — Sua voz falhou com medo do desfecho.
— Virá sim. Eu acredito em você.
A garota acenou e correu para a porta, sumindo de sua visão ao alcançar o corredor do hospital. Confuso, Alex acariciou a pulseira, sentiu os vincos nas pedrinhas em formas de estrelas. Aproximou-a da única luz e leu com dificuldade as minúsculas palavras: “Mia, acredite em si mesma”.
Alex sorriu por saber agora o nome da garota misteriosa. Sentou-se na cadeira de rodas e deslizou de volta ao seu quarto. Havia feito uma promessa para Mia e lutaria com todas as suas forças para cumpri-la. Pretendia devolver a pulseira no próximo Natal e, também, o beijo roubado.
Gostaram? Quem quer continuação?
Beijinhos, S. G. Conzatti
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