15 de jan. de 2019

7 de jan. de 2019

Quem roubou meu Glamour?

janeiro 07, 2019 0 Comments
(conto com personagens coadjuvantes do livro Jovem Amor )
Rebeca olhou ao seu redor desiludida. Ela lutara tanto, mas estava longe de poder mostrar aos outros o seu verdadeiro poder. Desde novinha, sentia que nascera para brilhar. A mãe a fez acreditar como ela era especial. E Rebeca se convenceu que seria famosa de algum feito, que ganharia destaque entre a multidão e que viveria rodeada de glamour.
No entanto, a cada ano esse sonho morria mais um pouco. Primeiramente, pareceu impossível quando engravidara. Ao casar-se com Giovanni, pai da filha que esperava, tiveram anos de dificuldade financeira. Mesmo sentindo-se péssima, apoiou a carreira e os estudos do marido enquanto mantinha-se apenas em subempregos, nada glamorosos como ela projetara ao entrar na adolescência.
Seu marido conseguiu se tornar professor universitário e o padrão de vida que levavam finalmente começou a percorrer uma trajetória promissora. Ela pôde, finalmente, retomar seus estudos e investir em sua própria carreira. Seu sonho estava a poucos passos de ser concretizado.
Mas a realidade ainda a empurrava para longe do verdadeiro valor que sabia ter; passava por restaurantes caríssimos, bares da moda, lojas renomadas internacionalmente sem poder aproveitar nada do que via. Frustrava-se cada vez mais por ninguém perceber como ela se esforçava e era, sim, merecedora de tais coisas.
Quando comprara o seu apartamento, ficara encantada com a fachada envidraçada e moderna, um orgulho que lhe foi arrancado poucos anos após, pois agora não passava de um pequeno prédio oprimido por seus vizinhos imponentes. Todo dia, quando era obrigada a deparar-se com os novos prédios, mais e mais glamorosos e interessantes, Rebeca simplesmente não conseguia mais sentir-se à vontade em seu próprio lar. Trazer os amigos e colegas de serviço para esse simplório prédio passou a ver uma vergonha desesperadamente evitada.
Começou a trabalhar exaustivamente com o único objetivo de alcançar seus desejos: juntar dinheiro suficiente para mudar-se para a melhor cobertura do bairro mais importante da cidade. A cada olhada em sua conta bancária, esse sonho parecia mais distante. Então, se ocupava em pelo menos ela própria tornar-se o símbolo de sucesso, investindo em roupas chiquérrimas, cremes, perfumes, joias, um carro importado e móveis exclusivos, além de emperiquitar a filha e tentar deixar seu marido mais apresentável.
Giovanni, um caso perdido. Nunca usava as roupas finas que ela gastava tanto para comprar; sempre passeando horrivelmente de moletom pela casa ou pior, uma vergonha, indo assim até a padaria ou até a praça com a filha. Se não era possível mudá-lo, fazendo dele um homem requintado, pensou que talvez pudesse persuadi-lo a trazer uma quantia maior de dinheiro para o lar, auxiliando-a pelo menos a mostrar para todos o seu verdadeiro valor, comprando um apartamento melhor.
Tentou convencer seu marido a pegar um terceiro turno como professor na faculdade, mas ele não lhe deu ouvidos. Revoltou-se com o descaso dele, com a recusa de fazê-la feliz. Ele não a amava, ela soube disso naquele momento.
Sozinha em seus objetivos, decidiu que seria forte, que alcançaria por si própria seus sonhos. Redobrou seu horário no serviço, almejando conseguir logo uma promoção. Quem sabe poderia até se tornar uma das sócias da empresa se mostrasse como se importava e se esforçava.
Em seis meses de trabalho dobrado, Rebeca teve uma crise de estresse que a obrigou a ficar uma semana em casa; outro foi promovido em seu lugar, deixando-a mais longe da realização de seu sonho. Desamparada e perdida, concluiu que deveria desistir do sonho, que talvez não fosse realmente tão importante como pensara no passado. Resolveu dispensar mais tempo com sua filha. Tentou fazer da menina uma princesinha, desejando que pelo menos a pequena pudesse ser feliz e alcançasse no futuro o que ela, Rebeca, não conseguira.
Contudo, toda a vez que refletia sobre aquele montante de roupas e joias que não poderia comprar, quando via mais um belo prédio oprimindo o seu, quando ficava sabendo de alguma majestosa viagem realizada por seus colegas de serviços, ela tornava-se mais e mais amarga.
Seu tolo marido tentava convencê-la de que o importante era o amor e que as coisas simples eram o que contava.
“Como ele pode pensar assim? É preferível ter um carro magnífico a um qualquer. Ter um apartamento pequeno em um bairro nobre a um grande no bairro medíocre. Ele só quer se redimir pela sua falta de ambição e também pela sua falta de amor por mim. Nem ele reconhece meu valor.”
Tudo o que ela queria era sentir-se importante! Ela desejava ser convidada para festas da alta sociedade, poder conquistar aquilo que lhe era de direito. Cada vez que Giovanni reforçava a beleza de coisas insignificantes, ela tinha vontade de socá-lo, de fazê-lo acordar para a realidade, de mostrar que a vida apenas é miserável se estamos fadados a ser comuns.
Seu coração chegou ao limite quando seu marido lhe obrigou a passar mais uma tarde no sítio dos pais dele. Era a mesma história todo ano, mas dessa vez havia sido pior. Além da tarde ter sido completamente desprovida de luxo, uma “farofada” sem fim, uma das roupas mais caras de sua filha havia voltado manchada e rasgada, e o salto de seu sapato, uma peça caríssima cujas prestações ela ainda estava pagando, havia quebrado.
Naquela noite, decidiu que deveria seguir sua vida sem seu marido. Só realizaria seu sonho de grandeza se ele não estivesse mais ali para puxá-la para a mediocridade. Buscaria um advogado com rapidez, pois o quanto mais rápido se tornasse solteira, mais chance teria de encontrar um homem que realmente entendesse como ela era especial e pudesse junto dela conquistar todas as coisas pelas quais vale a pena lutar. Enfim, ela poderia se tornar uma princesa da vida real, como sua mãe sempre lhe disse que seria.
 Gostou do conto? Confira os acontecimentos posteriores, como Giovanni lidou com a separação e como novos amores ou não cruzaram seu caminhos. Leia Jovem Amor na Amazon. 
Abraços, S. G. Conzatti. 

4 de jan. de 2019

Escolhas - contos interativos, capítulo 1

janeiro 04, 2019 0 Comments
(Nesse conto interativo é o leitor que escolhe o final entre duas opções, qual será sua escolha? )
 
Escolhas, escolhas e escolhas. As pessoas me dizem que a vida é feita de escolhas, que nossos passos alteram o futuro para melhor ou pior. Isso parece promissor: ser capaz de decidir o caminho que iremos trilhar. Mas como se pode dizer que há uma escolha consciente quando não podemos prever aonde esta irá nos levar?

Hoje eu acordei e decidi usar uma blusa azul ao invés do habitual preto. Grande coisa! Como se isso pudesse mudar meu desânimo...

Há dias que lamento não ter sido promovida. Dediquei-me, fiz horas extras, estudei e mantive-me com um sorriso nos lábios toda vez que o chefe contou suas piadas sem graça. Ou seja, realizei inúmeras escolhas durante esses anos na empresa imobiliária que trabalho. Pareciam ser opções promissoras, corretas como mandam qualquer cartilha de como conseguir uma promoção. Para quê? Para uma novata, peituda e sem experiência, agora ganhar o salário que tanto almejei?

Depois, meu grande amigo, David, diz que estou errada quando coloco ele e todos os outros homens no mesmo balaio e digo que as mulheres estão melhores sozinhas. Afinal, como confiar em seres que veem peitos e não competência? Digam-me, como os peitos irão ajudar em vistorias imobiliárias, análises de alicerces e paredes? Uma lógica incompreensível.

Desiludida com o rumo de minha carreira, decidi utilizar a quinzena de férias para entregar novos currículos e fazer alguns contatos. Na esperança de realizar uma troca, arrumar um emprego onde minhas escolhas tenham algum peso. Ou será que estou errada e deveria aproveitar para colocar silicone? É uma escolha, não é? Uma que vai de encontro a todos os anos de dedicação e estudos para alcançar uma vida financeira mais tranquila, mas é uma escolha, mesmo que seja uma um tanto desesperada e oposta às que fiz até agora.

Ri ao imaginar-me chegando turbinada no emprego. Será que seria promovida? David iria repreender-me e diria que uma mulher deve se valorizar pelo o que é e não se transformar em outra. Fácil para ele ter essa conclusão, já que é um ótimo exemplar masculino e nunca perdeu a concorrência no serviço para um mais musculoso do que ele.

David, o maravilhoso. Sim! Tão perfeito que me foi difícil suprimir esse grande detalhe de nossa amizade. Conhecemos-nos na faculdade e eu, assim como boa parte das calouras da Arquitetura, encantei-me nele, um dos cinco homens da sala. Contudo, ao final do semestre havíamos nos tornados amigos e todo o interesse romântico desapareceu, não só porque ele era noivo na época, mas também por nos percebermos tão diferentes.

Estranho como pessoas distintas se tornam melhores amigos. Eu, uma consumista deprimida agarrada aos estudos e um tanto frustrada com a vida, e ele, um ambientalista nato que abandonou os estudos para tornar-se professor de surf e viver algo próximo ao paz e amor dos hippies. Como ficamos amigos? Nem eu sei. Apenas aconteceu. De conversa em conversa, a amizade foi enraizando-se e, agora, não há nada em nossas vidas que não passe pela crítica e observação do outro.
 
Leia o próximo capítulo (em breve)
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Beijinhos, S. G. Conzatti

2 de jan. de 2019

A filha do pescador

janeiro 02, 2019 0 Comments

A água salgada ia e vinha acariciando a areia em seu movimento contínuo sem fim. A poucos metros, com a primogênita nos braços, sentada sobre as pedras, Andréia observava mais um entardecer.
Os pescadores locais, vestindo bermudas e camisetas, adentraram o braço do mar no lado oposto à praia. O vento e a água gelada não os afastavam, era temporada de tainhas. Firmes no banco de areia na beirada do canal, os homens atentos fitavam a imensidão líquida à frente na espera dos visitantes especiais que indicavam o melhor momento de jogarem suas tarrafas.

Andréia também os esperava. Há anos ela se sentava nas pedras à beira-mar, em um ritual, primeiro de admiração a seu pai e agora, ao seu marido Otávio.
Sorridente, ela acenou ao marido. O tarrafeiro no lado oposto do canal lhe mandou um beijo em resposta. Ambos se agradavam dessa companhia vespertina, ela atenta às belezas de seu lar e Otávio aos peixes.

Ela recordou-se da primeira vez em que foi convidada a estar com o pai do outro lado do canal, um presente inesquecível de dez anos. Ao chegarem ao lugar de pesca, o pai estendeu a tarrafa pela areia e conferiu as amarras da rede. Ansiosa, ela acompanhou os movimentos daquele homem, atenta as instruções dadas com gestos confiantes. Desde criancinha, ansiava por estar ali com ele, ver com seus próprios olhos as histórias contadas na mesa de jantar.

A água gelada lhe fez recuar. O pai a incentivou lhe dando a mão, adentraram com passos calculados no mar. Ao lado do pai, protegida por seu braço, ela esperou e esperou atenta a água. Quando pensava que sua primeira experiência de pesca fosse frustrada, os botos cinzas apareceram.
Ela seguiu o movimento do pai, em um atirar conjunto das tarrafas, assim como seus companheiros de pesca. Seus olhos infantis fixaram em encantamento aos botos, que percorriam o canal como se flutuassem na água, jogando porções de peixes para as redes dos pescadores. Como agradecimento, os homens sempre devolviam ao mar algumas tainhas diretamente para as bocas dos botos ajudantes.

Entre todos os animais, um bem pequeno lhe chamou atenção. Um filhote, o pai lhe disse. Era sua primeira aparição no canal, assim como ela. Os tarrafeiros lhe desafiaram a nomear o pequeno, contudo nenhum nome parecia adequado para um serzinho tão gracioso.

A responsabilidade de dar um nome ao novo boto preencheu sua mente, e assim ela voltou a praia após o jantar, era o melhor lugar para pensar. O começo da estação fria havia afastado os turistas e as areias encontravam-se desertas.
Pensativa, ela caminhou sobre os grãos claros que por vezes eram carregados pelo vento como bailarinos a dançar no ar, enquanto algumas ondas mais ousadas molhavam seus pés.

De repente, avistou algo a se debater na areia mais adiante. Ao se aproximar, o coração de Andréia disparou em desespero. O pequeno boto estava encalhado na areia e as ondas o empurravam cada vez mais para a praia. O animal se retorcia na tentativa de retornar ao mar, sem forças para isso, enquanto os outros de sua família se mantinham a uma distância segura, indo e vindo à superfície em uma dança angustiada.

Andréia correu até o filhote. Em um momento de desespero, tentou puxá-lo pela cauda de volta para o fundo, mas era muito pesado para uma garota magrela de dez anos. Ela gritou para o calçadão em busca de ajuda enquanto jogava pequenas porções de água com as mãos em formas de conchas na pele úmida e lisa do boto.
Um garoto um pouco mais velho passava de bicicleta.

— Socorro! — ela voltou a gritar aflita.

O garoto veio ajudar, demorou um pouco a compreender o que acontecia. Quando ele avistou Andréia jogando água sobre um pequeno boto, ele sorriu e se aproximou. Juntos conseguiram carregar o filhote para dentro da água salgada.
Emocionados e molhados, Andréia e o garoto suspiraram aliviados quando o filhote voltou para sua família marinha e em poucos minutos desapareceu nas profundezas.

— Adeus, Pequeno Guerreiro! — ela gritou ao mar, por fim satisfeita por encontrar o nome perfeito.
Naquele momento ela sabia que estaria ligada de alguma forma a esse pequeno boto. Mas o que ela não sabia, e só veio a descobrir alguns anos posteriores, é que naquele dia conhecera o amor de uma vida.

Cada vez que Andréia se sentava nas pedras ao final do dia, ela recordava do pequeno filhote e como Otávio veio ao seu socorro. Olhou de relance para o grupo de pescadores do outro lado da margem e sorriu ao acompanhá-los pacientemente à espera da hora certa de jogar o tarrafo.
A água tranquila do canal tremulou, uma nadadeira dorsal apontou na superfície. Os pescadores prenderam a respiração e posicionaram as tarrafas, ela se levantou das pedras para melhor contemplar quando um boto cinza saltou, seguido de mais três e voltaram a mergulhar em um balé de fartura no encontro com o cardume de tainhas. A bebê em seus braços bateu palmas e sorriu.

Assim que os botos passaram, os pescadores receberam suas recompensas dessa antiga parceria entre mamíferos. Alguns dos homens acenaram agradecidos aos botos quando recolheram as tarrafas recheadas para o sustento da família.

Andréia também acenou e riu deslumbrada, quando o menor dos botos se aproximou de onde ela estava e pulou em cumprimento. A ligação estabelecida entre ela e o “Pequeno Guerreiro” se mantinha firme, mesmo depois de tantos anos.

Podia ser apenas uma superstição de filha de pescador, mas ela acreditava que os dias brindados com a presença do “Pequeno Guerreiro” eram prelúdios de boas notícias. Sorridente, Andréia beijou a bochecha da filha e desejou que a pequena pudesse crescer também com a presença desses magníficos mamíferos, assim como seus netos, bisnetos e tataranetos.


O conto faz parte da coletânea Contos de Imbé, após ser selecionado no concurso de comemoração ao aniversário da cidade de 2014. A cidade litorânea de Imbé, pela qual tenho muito carinho por fazer parte de minha infância a adolescência, me presenteou com esse resultado.