31 de dez. de 2019

Romance de filme

dezembro 31, 2019 0 Comments

Nós adoradores de livros românticos sentimos o coração bater mais forte ao ler cenas de romance, cuidadosamente planejadas para nos encantar.
            A sensação dentro do peito após ler um livro com um romance perfeito entre, ás vezes, assemelha-se ao próprio sentimento de apaixonar-se.
Durante a história, há a imensa torcida para um final feliz. Este já anunciado desde os primeiros minutos, o que de certa forma aumenta a expectativa do “GRAND FINALE”. O final inspira quem lê dando-lhe a sensação de que algum dia este chegará para si.
Contudo, o livro acaba quando o romance se inicia, desta forma é apenas um começo. E no nascer de um relacionamento tudo parece perfeito aos olhos apaixonados.
O final real costuma ser muito diferente. Na maioria dos livros se a história continuasse seria mais provável que os protagonistas acabassem se odiando e brigando judicialmente, porém a esperança do acontecimento contrário é o que faz da história tão inspiradora.
Pessoas completamente opostas que se apaixonam. Em relacionamentos reais isso se torna muito mais desafiador do que realmente romântico, pois exigem um constante trabalho e flexibilidade de ambas as partes.
As dificuldades enfrentadas pelos protagonistas apaixonados parecem existir apenas para reforçar ao público o quão intenso é o amor. No mundo real muitos relacionamentos se extinguem ao tropeçarem nas menores pedras. Sabemos disso, mas ainda torcemos pelo contrário.
O garoto malvado, popular e idiota que no decorrer do livro se apaixona e torna-se o Ser mais romântico, provavelmente voltará a ser o mesmo tolo de antes com o passar dos meses.
 Grandes declarações de amor, músicas e poesias declamadas, pedidos de perdão invadindo aviões ou jogando-se ao mar para alcançar navios em partida são quase extintos fora das páginas.
A torcida para que os protagonistas emplaquem um magnífico romance é algo tão emocional e desejado pelos leitores que na maior parte das vezes são ignorados as situações que em outro contexto não seriam bem vistas. Como considerar tudo bem abandonar um possível noivo na véspera do casamento, mesmo que ele não seja um cafajeste, o importante é a nova e fulminante paixão surgida em poucos dias; Traições e mentiras são aceitas; trocas de um irmão por outro não causam constrangimentos; fazer coisas contra lei para recuperar um amor nunca gera consequências.
Sim, tudo muito poético! Afinal na ficção romântica as situações se ajeitam da melhor forma possível. Mesmo todas as possibilidades contagiantemente românticas apresentadas serem quase irreais, voltaremos a lê-los com olhos esperançosos e suspiraremos a cada novo belo final. Por que no fundo só queremos um pouco da magia do romance real ou não.




Compartilhe nos comentários qual foi a cena mais romântica que você leu e recomenda? Beijinhos, S. G. Conzatti

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30 de dez. de 2019

Um telefonema

dezembro 30, 2019 0 Comments


Diariamente recebemos diversos telefonemas. Durante uma vida são milhares. Alguns de conversas animadas de amigos, outros de atualizações de parentes, ou de aborrecimento dos telemarketings.
Telefonemas, acontecimentos cotidianos. Um movimento automático seguido do tradicional “alô”. Mas há aquele telefonema, vindo sem aviso, que muda uma vida inteira. Um telefonema, apenas.
No outro lado da linha uma voz, conhecida ou não, trás a alteração. Ás vezes é uma voz trêmula com o conhecimento da importância daquela ligação. Ou apenas uma voz monótona ao realizar uma simples tarefa e não ter a menor ideia de como aquele será lembrado como o telefonema de sua vida.
Um simples telefonema, de repente trás as palavras de salvação ou desgraça. Uma morte de alguém realmente especial, a oportunidade de emprego tão esperada, o retorno de um amigo queridíssimo, a confirmação do mais importante negócio fechado, uma declaração de amor, uma demissão, um dinheiro vindo em uma hora de desespero, ou uma dívida cobrada quando não se tem como pagar. Talvez a notícia de um nascimento, uma nomeação em um concurso inesperado, a confirmação ou não de uma doença grave, a oferta de realizar seus sonhos, ou apenas palavras vindas na hora certa quando mais nada parecia ser possível.

Desde aquele momento, a cada novo toque, haverá por segundos, o medo ou a euforia do próximo telefonema ser igualmente importante. 

S. G. Conzatti


14 de dez. de 2019

Quando te encontrei - conto de Natal

dezembro 14, 2019 0 Comments
Ser um adolescente dentro de um hospital era difícil por natureza, mas sê-lo em uma noite solitária de Natal era indescritivelmente pior. O horário de visita estendido para as comemorações natalinas acabara, a música e a pequena festa organizada pelas enfermeiras e familiares dos jovens internados foram substituídas pelo silêncio habitual das noites monótonas dentro do hospital.

Alex empurrou-se na cadeira de rodas, usada desde a última cirurgia na perna para retirada do tumor, para fora de seu quarto. O corredor estava vazio, apenas as luzinhas festivas coladas nas paredes faziam algum movimento ao piscarem coloridas.Deslizou até o pátio interno, um espaço aberto para recreação ou banhos de sol para aqueles pacientes capazes de se locomoverem. Precisava sentir o ar puro da noite, manter-se em seu quarto o sufocava como nunca.

Ainda assimilava a última consulta com o oncologista. Alex pensou que receberia alta depois de muitos meses em tratamento, mas os exames informaram a necessidade de mais algumas sessões de quimioterapia. Mesmo os especialistas dando-lhe uma margem grande de recuperação, ele perdera seu otimismo.

O pátio interno era envolvido pelo breu, a única iluminação vinha fraca do pedestal ao meio do lugar. Alex rodou a cadeira até os limites do meio-muro completado até a altura de dois andares por uma grade. Ele escorou os cotovelos no muro e analisou as casas repletas de gente contente em uma noite de Natal, a tristeza embolou-se em sua garganta.

— Noite difícil?
A voz doce o assustou. Girou a cadeira à procura. Avistou mais adiante a silhueta de uma garota deitada no muro com as mãos cruzadas sobre a barriga. Rodou a cadeira até parar à frente dela, intrigado por ter companhia. Ela usava uma pulseira com estrelinhas brancas, ele percebeu.

— O que faz aqui?

— Estou à espera dos fogos de artifício. — Ela inclinou a cabeça para fitá-lo e sorriu tímida. — Todos os anos aquele grupo de casas soltam fogos na noite de Natal. — Apontou para algumas casas ao leste.

— Ah! — Alex olhou para as casas compreendendo que ela devia ser paciente há bastante tempo como ele, provavelmente de outra ala hospitalar. Quis perguntar o motivo de sua internação. Mas ela o interrompeu:

— Nesta época do ano até o ar parece mágico. Como se o tal espírito natalino tocasse os corações e permitisse o melhor de cada um vir à tona. É minha época preferida.

— Já foi a minha, mas estar preso aqui sozinho não ajuda — bufou e admirou as casas aconchegantes onde famílias provavelmente se divertiam.

— A felicidade é algo interno. — Ela se sentou com as pernas a balançar no muro e encará-lo. — Lá fora deve ter pessoas rodeadas da família e uma grande festa, mas que talvez se sintam infelizes.

— Que discurso tolo! — Alex se afastou. — Estamos presos a uma doença e sozinhos, o que tem de bom nisso?

— Talvez nada, mas eu decidi não me entregar. — A garota se ergueu no muro e andou delicadamente na ponta dos pés próximo a ele. Deu um giro e continuou indo e vindo como se dançasse, enquanto cantarolava baixinho. — Sinta a magia no ar.

— Não, desculpe. — Ele balançou a cabeça achando-a louca. — Nenhuma magia.

— Você é um garoto turrão, não é? — Rindo, ela desceu do muro e o rodeou dando saltinhos como se interpretasse uma bailarina. Segurou a cadeira e a puxou, fazendo-o deslizar no ritmo de seus sussurros.
— Ei, me largue!

— Não estou ouvindo. — Ela riu ao aumentar o volume da cantoria e empurrá-lo pelo pátio. — Vamos, se entregue à dança.

— Isso é uma bobeira! — Aborrecido, freou a cadeira.

— Olhe! — Animada, ela o ignorou e se sentou no muro quando o primeiro fogo de artifício explodiu colorido no céu. — São lindos!

Alex se aproximou dela com a cadeira. O céu se tornou azul, vermelho, verde, amarelo como se estrelas piscassem coloridas e derramassem seu pó cósmico em cascatas. Apesar do aperto em seu coração, não podia negar a beleza do momento.

Aos poucos o céu retomou o silêncio, escuro como antes. A garota suspirou encantada e parou em pé ao lado de Alex Olhou-o calada por alguns segundos até estender-lhe a mão fazendo a pulseira deslizar folgada pelo seu pulso.

— Dança comigo?

— Nem tem música!

— Tem sim. — Ela riu ao rodopiar à frente dele. — Nosso salão de dança é iluminado pelas estrelas e, se prestar atenção, ao fundo tem a melodia natalina de uma casa próxima. — Ela inclinou a cabeça como se procurasse decifrá-la. — É “Natal Branco”. — Soltou um risinho. — Mesmo que estejamos em pleno verão, essa é minha canção preferida.

Alex inclinou-se para o muro tentando ouvir a melodia, um som muito fraco e indecifrável se apresentou, nada poderia confirmar ser a tal melodia que ela dissera. A garota rodopiou pelo pátio cantarolando e parou à frente dele.

— Sinta a música. Imagine como seria patinar na neve. Deslizando e deslizando, como se flutuássemos.

— Sério?! Antes era dança e agora já temos até uma neve imaginária?!

— Vamos, use a imaginação.
Ele continuou parado em sua cadeira de rodas acompanhando com o olhar a garota misteriosa fingir uma dança abraçada pela escuridão. Aos poucos, algo dentro dele se alterou e ele se percebeu rindo e batendo palmas quando ela lhe fez uma mesura como se agradecesse ao final de uma apresentação para um grande público.

— Ah! — Ela aproximou o rosto do dele, como se quisesse ver melhor. — Você sabe rir, então.

— Você é estranha, sabia? — brincou ao levar a cadeira para trás e dar um giro rápido.

— Ora, você é bom nisso.

— Meses de treino — respondeu ao fazer novamente a manobra, exibindo-se. Aguentava ficar algum tempo em pé, mas por não poder apoiar-se na perna recém-operada por muito tempo, a cadeira de rodas acabava sendo mais fácil de locomover-se.

— Dance comigo. — Ela sorriu para ele de modo maroto e estendeu a mão em sua direção novamente. — Eu perdi meu baile de quinze anos, seja meu par.

— Ninguém deveria perder sua primeira dança oficial. — Ele tentou ser amigável.

O convite era inusitado, ele nunca dançara quando podia ficar em pé sem dificuldade, e fazer isso em uma cadeira de roda soava estranho. Os olhos dela lhe indicavam a sinceridade do pedido, o qual Alex desejou realizar.

Amparou-se na sua cadeira e levantou-se. Com cuidado, colocou a perna em recuperação no chão. Testou o equilíbrio e a sensação de apoiar seu peso, havia feito isso nas sessões de fisioterapia, no entanto, não do modo fluido necessário para uma dança.

Sorrindo, a garota envolveu seus braços em seu pescoço. Ele apoiou as mãos na cintura dela, e mantinha a atenção nos movimentos lentos começados pelos passos dela enquanto ela murmurava no ritmo de alguma música desconhecida para ele.

Alex sentia-se desengonçado balançando de lá para cá e, apesar da vergonha, ficou ali abraçado à garota. Com o passar dos minutos, ele se esqueceu da tristeza dos últimos dias, como se fosse apenas um adolescente normal bailando em uma festa qualquer.

— Obrigada pela dança — ela sussurrou com a cabeça apoiada em seu ombro. — Deveria fazer um pedido de Natal.

— Para quê? — Alex respondeu indiferente. A perna operada latejou dolorida, mas ele não queria se afastar.

— Talvez se realize.

— Que nada! — Obrigou-se a apoiar-se no muro para tirar o peso da perna em recuperação.

— Quem sabe... — Ela deu de ombros ao se sentar no murinho ao lado dele. — Se não fizer, nunca vai saber. O meu do ano passado se realizou.

— E qual era? — Alex se empurrou para cima do muro, sentando ao lado dela.

— Ver os fogos de artifício.

— Mas você já sabia que teriam fogos... — Ele encolheu as sobrancelhas.

— Os fogos sim, mas qual a garantia de eu poder vê-los?

— Entendo. — Alex fitou a perna, relembrando de sua doença e as incertezas de seu futuro. — Por que está internada?

— Sofri um acidente há dois anos, bati a cabeça e fiquei muito tempo sem poder ver. — Em um gesto de conforto, ele pousou a mão sobre a dela. Ela sorriu aceitando sua amizade. — Apenas ouvi os fogos no ano passado e uma enfermeira me contou como eles sempre iluminavam os Natais. Mas hoje eu posso vê-los e ainda ganhei uma primeira dança de brinde. Sendo assim, não lhe custa fazer um pedido.

— Acredita que os desejos se realizam? — Encarou-a querendo se encher com a esperança vinda dela.

— Minha avó me ensinou que acreditar nos dá forças para lutarmos para que as coisas aconteçam.

— Não sei

— Tente. — Ela sorriu ao mexer na pulseira com a outra mão.

— Tá. — Alex fechou os olhos, pensou em um desejo. O que mais queria era ter sua vida habitual de adolescente de volta. De certo modo, estar ali com ela tinha um gostinho de normalidade. Fitou-a indeciso. — Devo contar o que desejei?

— Dizem que não. — Ela riu. — No próximo Natal, você me conta se foi realizado.

— Você parece bem para estar aqui por mais um ano.

— Recebi alta há poucos dias, só voltei para ver os fogos. — Ela saltou para fora do murinho. — Meus pais me esperam na recepção, preciso ir.

Alex a fitou desanimado ao perceber que a solidão seria sua única companhia novamente.

— Duvido que volte! — ele a desafiou.

Ela retirou a pulseira de estrelinhas brancas, pegou o pulso dele e a colocou. Deu-lhe um selinho e se afastou rindo.
— Essa pulseira é a última lembrança de minha avó, me ajudou quando estive internada. Guarde com carinho, pois virei buscá-la.

— E se eu não puder vir? — Sua voz falhou com medo do desfecho.

— Virá sim. Eu acredito em você.

A garota acenou e correu para a porta, sumindo de sua visão ao alcançar o corredor do hospital. Confuso, Alex acariciou a pulseira, sentiu os vincos nas pedrinhas em formas de estrelas. Aproximou-a da única luz e leu com dificuldade as minúsculas palavras: “Mia, acredite em si mesma”.

Alex sorriu por saber agora o nome da garota misteriosa. Sentou-se na cadeira de rodas e deslizou de volta ao seu quarto. Havia feito uma promessa para Mia e lutaria com todas as suas forças para cumpri-la. Pretendia devolver a pulseira no próximo Natal e, também, o beijo roubado.


Gostaram? Quem quer continuação? 
Beijinhos, S. G. Conzatti 

24 de fev. de 2019

Pessoas do passado

fevereiro 24, 2019 0 Comments



Ás vezes quando ouço uma música, visito um lugar, sinto o
cheiro de uma receita, pego uma ferramenta para um conserto ou realizo pequenas
coisas banais do cotidiano, me perco em pensamentos.
Vem a mim a lembrança de pessoas que fizeram parte de minha
vida. O estranho é que, nem sempre são pessoas em que tive muito
contato.
Ás vez uma determinada música me lembra de um colega, que eu
quase nunca conversei, mas que disse algo engraçado durante uma festa.
Ou então me vem a imagem de uma professora do primário
quando ouço alguém usar determinada palavra, que essa pessoa usava.
Ou me lembro de um vizinho que nunca soube o nome, ao
assistir garotos andando de Skate.
Ou de uma colega que chorava ao receber nota baixa, quando
entrego trabalhos aos meus alunos.
E tantas outras pequenas lembranças que carregam pedacinhos
de tantas outras pessoas que não sei o nome ou qualquer coisa importante sobre
estas.
É intrigante como nossa memória funciona. Como coisas que
parecem tão insignificantes voltam sem aviso.
Pergunto-me por que guardei essas pessoas do passado dentro de mim.
O que elas deixaram marcado em mim?
Um tipo de nostalgia gostosa. Uma recordação que vem com cheiro,
gosto e sensações da juventude. Pessoas que se eu me esforçasse a recordar talvez
não conseguisse, mas que voltam a mim de modo inesperado.
A memória é mesmo surpreendente. Carregamos conosco, em
milhares de pedaços em nossos corações, mais pessoas que julguemos no início.
Provavelmente essas pessoas nunca pensariam que de algum
modo fazem parte de minhas recordações. A curiosidade fica em saber se sou
também a recordação de quem nem imagino?

S. G. Conzatti


15 de jan. de 2019

7 de jan. de 2019

Quem roubou meu Glamour?

janeiro 07, 2019 0 Comments
(conto com personagens coadjuvantes do livro Jovem Amor )
Rebeca olhou ao seu redor desiludida. Ela lutara tanto, mas estava longe de poder mostrar aos outros o seu verdadeiro poder. Desde novinha, sentia que nascera para brilhar. A mãe a fez acreditar como ela era especial. E Rebeca se convenceu que seria famosa de algum feito, que ganharia destaque entre a multidão e que viveria rodeada de glamour.
No entanto, a cada ano esse sonho morria mais um pouco. Primeiramente, pareceu impossível quando engravidara. Ao casar-se com Giovanni, pai da filha que esperava, tiveram anos de dificuldade financeira. Mesmo sentindo-se péssima, apoiou a carreira e os estudos do marido enquanto mantinha-se apenas em subempregos, nada glamorosos como ela projetara ao entrar na adolescência.
Seu marido conseguiu se tornar professor universitário e o padrão de vida que levavam finalmente começou a percorrer uma trajetória promissora. Ela pôde, finalmente, retomar seus estudos e investir em sua própria carreira. Seu sonho estava a poucos passos de ser concretizado.
Mas a realidade ainda a empurrava para longe do verdadeiro valor que sabia ter; passava por restaurantes caríssimos, bares da moda, lojas renomadas internacionalmente sem poder aproveitar nada do que via. Frustrava-se cada vez mais por ninguém perceber como ela se esforçava e era, sim, merecedora de tais coisas.
Quando comprara o seu apartamento, ficara encantada com a fachada envidraçada e moderna, um orgulho que lhe foi arrancado poucos anos após, pois agora não passava de um pequeno prédio oprimido por seus vizinhos imponentes. Todo dia, quando era obrigada a deparar-se com os novos prédios, mais e mais glamorosos e interessantes, Rebeca simplesmente não conseguia mais sentir-se à vontade em seu próprio lar. Trazer os amigos e colegas de serviço para esse simplório prédio passou a ver uma vergonha desesperadamente evitada.
Começou a trabalhar exaustivamente com o único objetivo de alcançar seus desejos: juntar dinheiro suficiente para mudar-se para a melhor cobertura do bairro mais importante da cidade. A cada olhada em sua conta bancária, esse sonho parecia mais distante. Então, se ocupava em pelo menos ela própria tornar-se o símbolo de sucesso, investindo em roupas chiquérrimas, cremes, perfumes, joias, um carro importado e móveis exclusivos, além de emperiquitar a filha e tentar deixar seu marido mais apresentável.
Giovanni, um caso perdido. Nunca usava as roupas finas que ela gastava tanto para comprar; sempre passeando horrivelmente de moletom pela casa ou pior, uma vergonha, indo assim até a padaria ou até a praça com a filha. Se não era possível mudá-lo, fazendo dele um homem requintado, pensou que talvez pudesse persuadi-lo a trazer uma quantia maior de dinheiro para o lar, auxiliando-a pelo menos a mostrar para todos o seu verdadeiro valor, comprando um apartamento melhor.
Tentou convencer seu marido a pegar um terceiro turno como professor na faculdade, mas ele não lhe deu ouvidos. Revoltou-se com o descaso dele, com a recusa de fazê-la feliz. Ele não a amava, ela soube disso naquele momento.
Sozinha em seus objetivos, decidiu que seria forte, que alcançaria por si própria seus sonhos. Redobrou seu horário no serviço, almejando conseguir logo uma promoção. Quem sabe poderia até se tornar uma das sócias da empresa se mostrasse como se importava e se esforçava.
Em seis meses de trabalho dobrado, Rebeca teve uma crise de estresse que a obrigou a ficar uma semana em casa; outro foi promovido em seu lugar, deixando-a mais longe da realização de seu sonho. Desamparada e perdida, concluiu que deveria desistir do sonho, que talvez não fosse realmente tão importante como pensara no passado. Resolveu dispensar mais tempo com sua filha. Tentou fazer da menina uma princesinha, desejando que pelo menos a pequena pudesse ser feliz e alcançasse no futuro o que ela, Rebeca, não conseguira.
Contudo, toda a vez que refletia sobre aquele montante de roupas e joias que não poderia comprar, quando via mais um belo prédio oprimindo o seu, quando ficava sabendo de alguma majestosa viagem realizada por seus colegas de serviços, ela tornava-se mais e mais amarga.
Seu tolo marido tentava convencê-la de que o importante era o amor e que as coisas simples eram o que contava.
“Como ele pode pensar assim? É preferível ter um carro magnífico a um qualquer. Ter um apartamento pequeno em um bairro nobre a um grande no bairro medíocre. Ele só quer se redimir pela sua falta de ambição e também pela sua falta de amor por mim. Nem ele reconhece meu valor.”
Tudo o que ela queria era sentir-se importante! Ela desejava ser convidada para festas da alta sociedade, poder conquistar aquilo que lhe era de direito. Cada vez que Giovanni reforçava a beleza de coisas insignificantes, ela tinha vontade de socá-lo, de fazê-lo acordar para a realidade, de mostrar que a vida apenas é miserável se estamos fadados a ser comuns.
Seu coração chegou ao limite quando seu marido lhe obrigou a passar mais uma tarde no sítio dos pais dele. Era a mesma história todo ano, mas dessa vez havia sido pior. Além da tarde ter sido completamente desprovida de luxo, uma “farofada” sem fim, uma das roupas mais caras de sua filha havia voltado manchada e rasgada, e o salto de seu sapato, uma peça caríssima cujas prestações ela ainda estava pagando, havia quebrado.
Naquela noite, decidiu que deveria seguir sua vida sem seu marido. Só realizaria seu sonho de grandeza se ele não estivesse mais ali para puxá-la para a mediocridade. Buscaria um advogado com rapidez, pois o quanto mais rápido se tornasse solteira, mais chance teria de encontrar um homem que realmente entendesse como ela era especial e pudesse junto dela conquistar todas as coisas pelas quais vale a pena lutar. Enfim, ela poderia se tornar uma princesa da vida real, como sua mãe sempre lhe disse que seria.
 Gostou do conto? Confira os acontecimentos posteriores, como Giovanni lidou com a separação e como novos amores ou não cruzaram seu caminhos. Leia Jovem Amor na Amazon. 
Abraços, S. G. Conzatti. 

4 de jan. de 2019

Escolhas - contos interativos, capítulo 1

janeiro 04, 2019 0 Comments
(Nesse conto interativo é o leitor que escolhe o final entre duas opções, qual será sua escolha? )
 
Escolhas, escolhas e escolhas. As pessoas me dizem que a vida é feita de escolhas, que nossos passos alteram o futuro para melhor ou pior. Isso parece promissor: ser capaz de decidir o caminho que iremos trilhar. Mas como se pode dizer que há uma escolha consciente quando não podemos prever aonde esta irá nos levar?

Hoje eu acordei e decidi usar uma blusa azul ao invés do habitual preto. Grande coisa! Como se isso pudesse mudar meu desânimo...

Há dias que lamento não ter sido promovida. Dediquei-me, fiz horas extras, estudei e mantive-me com um sorriso nos lábios toda vez que o chefe contou suas piadas sem graça. Ou seja, realizei inúmeras escolhas durante esses anos na empresa imobiliária que trabalho. Pareciam ser opções promissoras, corretas como mandam qualquer cartilha de como conseguir uma promoção. Para quê? Para uma novata, peituda e sem experiência, agora ganhar o salário que tanto almejei?

Depois, meu grande amigo, David, diz que estou errada quando coloco ele e todos os outros homens no mesmo balaio e digo que as mulheres estão melhores sozinhas. Afinal, como confiar em seres que veem peitos e não competência? Digam-me, como os peitos irão ajudar em vistorias imobiliárias, análises de alicerces e paredes? Uma lógica incompreensível.

Desiludida com o rumo de minha carreira, decidi utilizar a quinzena de férias para entregar novos currículos e fazer alguns contatos. Na esperança de realizar uma troca, arrumar um emprego onde minhas escolhas tenham algum peso. Ou será que estou errada e deveria aproveitar para colocar silicone? É uma escolha, não é? Uma que vai de encontro a todos os anos de dedicação e estudos para alcançar uma vida financeira mais tranquila, mas é uma escolha, mesmo que seja uma um tanto desesperada e oposta às que fiz até agora.

Ri ao imaginar-me chegando turbinada no emprego. Será que seria promovida? David iria repreender-me e diria que uma mulher deve se valorizar pelo o que é e não se transformar em outra. Fácil para ele ter essa conclusão, já que é um ótimo exemplar masculino e nunca perdeu a concorrência no serviço para um mais musculoso do que ele.

David, o maravilhoso. Sim! Tão perfeito que me foi difícil suprimir esse grande detalhe de nossa amizade. Conhecemos-nos na faculdade e eu, assim como boa parte das calouras da Arquitetura, encantei-me nele, um dos cinco homens da sala. Contudo, ao final do semestre havíamos nos tornados amigos e todo o interesse romântico desapareceu, não só porque ele era noivo na época, mas também por nos percebermos tão diferentes.

Estranho como pessoas distintas se tornam melhores amigos. Eu, uma consumista deprimida agarrada aos estudos e um tanto frustrada com a vida, e ele, um ambientalista nato que abandonou os estudos para tornar-se professor de surf e viver algo próximo ao paz e amor dos hippies. Como ficamos amigos? Nem eu sei. Apenas aconteceu. De conversa em conversa, a amizade foi enraizando-se e, agora, não há nada em nossas vidas que não passe pela crítica e observação do outro.
 
Leia o próximo capítulo (em breve)
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Beijinhos, S. G. Conzatti

2 de jan. de 2019

A filha do pescador

janeiro 02, 2019 0 Comments

A água salgada ia e vinha acariciando a areia em seu movimento contínuo sem fim. A poucos metros, com a primogênita nos braços, sentada sobre as pedras, Andréia observava mais um entardecer.
Os pescadores locais, vestindo bermudas e camisetas, adentraram o braço do mar no lado oposto à praia. O vento e a água gelada não os afastavam, era temporada de tainhas. Firmes no banco de areia na beirada do canal, os homens atentos fitavam a imensidão líquida à frente na espera dos visitantes especiais que indicavam o melhor momento de jogarem suas tarrafas.

Andréia também os esperava. Há anos ela se sentava nas pedras à beira-mar, em um ritual, primeiro de admiração a seu pai e agora, ao seu marido Otávio.
Sorridente, ela acenou ao marido. O tarrafeiro no lado oposto do canal lhe mandou um beijo em resposta. Ambos se agradavam dessa companhia vespertina, ela atenta às belezas de seu lar e Otávio aos peixes.

Ela recordou-se da primeira vez em que foi convidada a estar com o pai do outro lado do canal, um presente inesquecível de dez anos. Ao chegarem ao lugar de pesca, o pai estendeu a tarrafa pela areia e conferiu as amarras da rede. Ansiosa, ela acompanhou os movimentos daquele homem, atenta as instruções dadas com gestos confiantes. Desde criancinha, ansiava por estar ali com ele, ver com seus próprios olhos as histórias contadas na mesa de jantar.

A água gelada lhe fez recuar. O pai a incentivou lhe dando a mão, adentraram com passos calculados no mar. Ao lado do pai, protegida por seu braço, ela esperou e esperou atenta a água. Quando pensava que sua primeira experiência de pesca fosse frustrada, os botos cinzas apareceram.
Ela seguiu o movimento do pai, em um atirar conjunto das tarrafas, assim como seus companheiros de pesca. Seus olhos infantis fixaram em encantamento aos botos, que percorriam o canal como se flutuassem na água, jogando porções de peixes para as redes dos pescadores. Como agradecimento, os homens sempre devolviam ao mar algumas tainhas diretamente para as bocas dos botos ajudantes.

Entre todos os animais, um bem pequeno lhe chamou atenção. Um filhote, o pai lhe disse. Era sua primeira aparição no canal, assim como ela. Os tarrafeiros lhe desafiaram a nomear o pequeno, contudo nenhum nome parecia adequado para um serzinho tão gracioso.

A responsabilidade de dar um nome ao novo boto preencheu sua mente, e assim ela voltou a praia após o jantar, era o melhor lugar para pensar. O começo da estação fria havia afastado os turistas e as areias encontravam-se desertas.
Pensativa, ela caminhou sobre os grãos claros que por vezes eram carregados pelo vento como bailarinos a dançar no ar, enquanto algumas ondas mais ousadas molhavam seus pés.

De repente, avistou algo a se debater na areia mais adiante. Ao se aproximar, o coração de Andréia disparou em desespero. O pequeno boto estava encalhado na areia e as ondas o empurravam cada vez mais para a praia. O animal se retorcia na tentativa de retornar ao mar, sem forças para isso, enquanto os outros de sua família se mantinham a uma distância segura, indo e vindo à superfície em uma dança angustiada.

Andréia correu até o filhote. Em um momento de desespero, tentou puxá-lo pela cauda de volta para o fundo, mas era muito pesado para uma garota magrela de dez anos. Ela gritou para o calçadão em busca de ajuda enquanto jogava pequenas porções de água com as mãos em formas de conchas na pele úmida e lisa do boto.
Um garoto um pouco mais velho passava de bicicleta.

— Socorro! — ela voltou a gritar aflita.

O garoto veio ajudar, demorou um pouco a compreender o que acontecia. Quando ele avistou Andréia jogando água sobre um pequeno boto, ele sorriu e se aproximou. Juntos conseguiram carregar o filhote para dentro da água salgada.
Emocionados e molhados, Andréia e o garoto suspiraram aliviados quando o filhote voltou para sua família marinha e em poucos minutos desapareceu nas profundezas.

— Adeus, Pequeno Guerreiro! — ela gritou ao mar, por fim satisfeita por encontrar o nome perfeito.
Naquele momento ela sabia que estaria ligada de alguma forma a esse pequeno boto. Mas o que ela não sabia, e só veio a descobrir alguns anos posteriores, é que naquele dia conhecera o amor de uma vida.

Cada vez que Andréia se sentava nas pedras ao final do dia, ela recordava do pequeno filhote e como Otávio veio ao seu socorro. Olhou de relance para o grupo de pescadores do outro lado da margem e sorriu ao acompanhá-los pacientemente à espera da hora certa de jogar o tarrafo.
A água tranquila do canal tremulou, uma nadadeira dorsal apontou na superfície. Os pescadores prenderam a respiração e posicionaram as tarrafas, ela se levantou das pedras para melhor contemplar quando um boto cinza saltou, seguido de mais três e voltaram a mergulhar em um balé de fartura no encontro com o cardume de tainhas. A bebê em seus braços bateu palmas e sorriu.

Assim que os botos passaram, os pescadores receberam suas recompensas dessa antiga parceria entre mamíferos. Alguns dos homens acenaram agradecidos aos botos quando recolheram as tarrafas recheadas para o sustento da família.

Andréia também acenou e riu deslumbrada, quando o menor dos botos se aproximou de onde ela estava e pulou em cumprimento. A ligação estabelecida entre ela e o “Pequeno Guerreiro” se mantinha firme, mesmo depois de tantos anos.

Podia ser apenas uma superstição de filha de pescador, mas ela acreditava que os dias brindados com a presença do “Pequeno Guerreiro” eram prelúdios de boas notícias. Sorridente, Andréia beijou a bochecha da filha e desejou que a pequena pudesse crescer também com a presença desses magníficos mamíferos, assim como seus netos, bisnetos e tataranetos.


O conto faz parte da coletânea Contos de Imbé, após ser selecionado no concurso de comemoração ao aniversário da cidade de 2014. A cidade litorânea de Imbé, pela qual tenho muito carinho por fazer parte de minha infância a adolescência, me presenteou com esse resultado.